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Agronegócio

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Assembleia Legislativa debate transporte e bem-estar animal

A audiência pública da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo do Parlamento foi solicitada pela deputada Regina Becker Fortunati (REDE)

Por: Asscom
Defensores da causa animal, técnicos, representações de universidades e do segmento produtivo do Rio Grande do Sul reuniram-se, na última semana, na sala João Neves da Fontoura (Plenarinho), na Assembleia, para tratar do transporte de animais vivos para abate e exportação no Estado. A audiência pública da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo do Parlamento foi solicitada pela deputada Regina Becker Fortunati (REDE).
A deputada explicou que a reunião tinha como origem matéria divulgada em Zero Hora. “A jornalista que redigiu acompanhou o trajeto dos animais desde a origem na fazenda até o local do abate. Em vários dias, pôde constatar, e relatar, o nível de agressão a que os animais eram submetidos no transporte”, informou. Segundo ela, a situação é de conhecimento de todos. “Quantos de nós já nos deparamos, nas estradas, com caminhões transportando animais, nas condições mais precárias”, lembrou, lamentando a inexistência de ações mais efetivas na garantia do bem-estar animal.
“As precauções existentes objetivam unicamente garantir que a carne chegue em boa qualidade aos frigoríficos. Se serão submetidos à morte, que pelo menos o processo da sua condução a este final seja melhor observado”, defendeu. A parlamentar igualmente lamentou a forma como acontecem as exportações por navio, sem a estrutura adequada de alimentação e confinamento. “O resultado é a morte de aproximadamente 30% daquilo que foi embarcado, em consequência das péssimas condições. Aliás, só no RS e no Pará ainda se admite o chamado embarque do boi em pé”. Se existem normativas, em especial por parte do Ministério da Agricultura, cobrando a observância de determinadas regras, “não há porque não sejam cumpridas”, considerou.
Confirmou, ainda, que o estresse afeta a qualidade da carne. “Todos os animais têm um sistema de defesa, que libera toxina na corrente sanguínea com efeitos diretos sobre a carne, porque partimos do pressuposto que os animais têm sentimentos e percepções, em especial quando serão submetidos à crueldade”, acrescentou.
Reportagem
Bruna Karpinski, repórter freelancer de ZH, autora da matéria, explicou como surgiu a pauta. “Num primeiro momento, pensamos apenas em abordar a questão do transporte dos animais. O foco não estava no bem-estar animal. No entanto, diante do que vimos (ela estava acompanhada do fotógrafo André Ávila), ficou impossível não relatar aquelas situações”, disse.
Conforme ela, a partir das manifestações de várias pessoas ouvidas, “chegamos à conclusão que os fatos não eram isolados, e sim componentes de um sistema. Até existe o discurso sobre o que seria correto, mas as práticas nos evidenciaram o contrário”, apontou. Ávila disse que os motoristas informaram que receberam treinamento de como agir corretamente em relação aos animais. “Na prática, porém, vimos que as ações, consolidadas, caminham noutra direção, como subir nos caminhões para dar choque com os chamados bastões elétricos”, narrou.
Bruna acrescentou dizendo que as informações foram de que não haveria legislação ou normativas para regrar as condutas. “O fato é que tudo ainda é feito, hoje, como há décadas”, apontou, enquanto eram projetadas fotos e pequenas filmagens realizadas durante a reportagem.
O veterinário Adriano Guahyba, integrante da Comissão de Bem-estar Animal do Ministério da Agricultura, parabenizou a iniciativa de Regina Becker Fortunati e passou a informar como se dá todo o processo de fiscalização nesta área, explicando a estrutura de funcionamento do órgão. Disse que existem limitações em termos de recursos financeiros, mas que havia, em contrapartida, um grande esforço para que fossem mantidas condições mínimas ao bem-estar animal.
Disse que esta preocupação não é nova, iniciou em 1934, com a publicação de decreto presidencial estabelecendo algumas diretrizes de bem-estar animal, que deveriam ser obedecidas desde a criação, transporte e abate dos animais. “Mas a realidade é que tanto falta legislação quanto falta o respeito no cumprimento daquilo que existe”. Da mesma forma, lamentou a falta de fiscais para atuarem a campo e no transporte.
Apontou a existência de câmara setorial para tratar destas questões, envolvendo governo, academia e iniciativa privada. “Tudo que é construído em relação à normatização passa por este grupo, até porque existem acordos internacionais que precisam ser respeitados”. De outra parte, informou a atenção por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em relação ao bem-estar animal a partir do Decreto n° 8.852/2016, estabelecendo as atribuições quanto a este bem-estar dos animais de produção e interesse econômico.
A fiscalização é competência dos departamentos da SDA – Secretaria de Defesa Agropecuária e o fomento é competência da Coordenação de Boas Práticas e Bem-estar Animal (CBPA) da Secretaria de Mobilidade Social, do Produtor Rural e Cooperativismo (SMC). Dentre as atribuições da CBPA estão a proposição de boas práticas de manejo, o alinhamento da legislação brasileira com os avanços científicos e os critérios estabelecidos pelos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como preparar e estimular o setor agropecuário brasileiro para o atendimento às novas exigências da sociedade brasileira e consumidores dos mercados importadores.
Sendo o bem-estar animal um tema que envolve diversas unidades do MAPA, foi formalizada a Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal – CTBEA criada em 2008 e cujas competências foram atualizadas pela Portaria nº 436 de 2017, para organizar as ações e harmonizar procedimentos. Conforme Guahyba, são várias as ações para esclarecimento do público quanto à questão, havendo projetos em elaboração e outros em andamento, citando parceria entre o MAPA e a Embrapa no treinamento e capacitação dos transportadores de suínos.
“Também existem minutas prontas e encaminhadas ao Departamento Nacional de Trânsito para regramento na conduta de caminhoneiros e sua fiscalização em estradas federais. No entanto, muitas das nossas normativas foram barradas, em especial por exportadores de carne. Nossa expectativa é vencer estes e outros obstáculos e publicar as normas. Mas, como referi, há outros atores e aí os processos param. Além disso, as minutas não têm força de lei”.
Parceria com AL
O técnico disse que seria ótimo ter apoio parlamentar, a partir da Assembleia gaúcha, para que a legislação fosse adiante. Classificou como positivo o projeto já finalizado com normas para o transporte marítimo e fluvial, que registra forte incremento. “Foi um trabalho concluído em parceria com a União Europeia, algo positivo à harmonização das condutas, uma vez que aquele bloco econômico é extremamente exigente”, ponderou.
O vice-presidente do Conselho Regional de Veterinária do RS, João Artur Martins, afirmou que o bem-estar animal é preocupação constante do segmento. Informou a existência de uma comissão, formada por médicos veterinários e zootécnicos, que assessora a presidência do órgão e gera pareceres no contexto. Alertou que, conforme entendimento seu, o bem-estar animal passa pela conscientização e capacitação, bem como é preocupação da indústria.
“Estudos têm nos mostrado que a melhoria nas condições, por exemplo, de transporte de animais, melhoram igualmente o lucro”, destacando os avanços na modernização da frota. “Há muita diferença em relação há 25 anos. Houve a necessária evolução em inúmeros aspectos”, opinou, ressaltando que isso é comprovado pelo pessoal que atua junto à indústria. Agregou, ainda, que o bem-estar animal é uma exigência de mercado, com contrapartida de todos os envolvidos na cadeia produtiva, observando de outra parte a necessidade de uma regulamentação mais efetiva.
O diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados (Sicadergs), Zilmar Moussalle, igualmente apontou os avanços nesta área. “Em especial nos últimos 15 anos, houve incremento nos cuidados desde os currais, transporte e abate. Esta preocupação realmente não existia”, disse, lembrando o aumento na fiscalização, até mesmo no transporte, destacando que problemas podem ocorrer, tendo em vista que muitos motoristas são terceirizados. Esclareceu que todos os associados são exigidos quanto à aplicação de manual de boas práticas em todo o processo envolvendo os animais.
Francisco Lineu Shardong, diretor da Farsul, enfatizou a importância do debate, ressaltando a responsabilidade de todos os envolvidos, “da porteira para fora, da porteira para dentro e no transporte”. Para ele, os produtores têm, cada vez mais, interesse pelo tema bem-estar animal. Solicitou, no entanto, atenção e apoio na luta contra o abigeato, “onde não há qualquer fiscalização. Este é um crime que avança, sem controle”, lamentou.
Encaminhamentos
Ao final, Regina Becker Fortunati informou que encaminharia as observações e manifestações ao presidente da Comissão, deputado Adolfo Brito (PP), tentando dar sequência às sugestões apresentadas, como a viabilização de uma rubrica específica, nos orçamentos estadual e federal. “Sempre que há envolvimento de recursos financeiros, há uma queda de braço. Há dependência, sim, de lei federal, de iniciativas parlamentares. Espero que possamos construir alternativas de consenso em relação ao bem-estar animal. Todos têm o direito a uma vida digna, com respeito”, considerou.
Também informou que o novo Código Estadual de Proteção aos Animais está em gestação. “O texto está em fase de conclusão, sendo apresentado como PL (projeto de Lei). Trabalhamos em detalhes, inclusive caracterizando de forma específica os que são os maus-tratos, uma lacuna que sempre está em falta nas legislações. Em breve, deverá ser apresentado aos deputados e, esperamos, que siga o rito legislativo adequado para ser apreciado em plenário”.
Sobre o tema debatido, observou que os defensores da causa animal, em grande número presentes no encontro, têm posições diferenciadas quanto à questão, “muito delicada para nós. Vemos tudo isso de forma diferente, com um olhar mais sensível. Não concordamos com o transporte realizado. Não concordamos com o acontece na criação de várias espécies. Conhecemos a realidade da situação dos animais e sofremos. Queremos novas formas de encarar a questão”, frisou.
Disse ter consciência da importância do agronegócio para o RS. “Sabemos disso. Sabemos igualmente que consumo de carne vai prosseguir aqui e no mundo. Também assistimos que os animais são vistos como possibilidade de lucro efetivo. Claro que alimentam pessoas, mas detrás desta cadeia produtiva está o lucro”, declarou. “A realidade é: como vamos resolver a situação dos animais, levados ao abate, com formas menos cruéis? Esta crueldade hoje, para grande parte do mundo, não é mais aceita. Isso precisa ser visto diferente, a partir de mudanças de posicionamento”, afirmou.
Adriano Guahyba ainda propôs que a deputada Regina encaminhe sugestão no sentido de que o presidente da Comissão procure o secretário estadual de Agricultura e que este articule encaminhamentos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
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