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Marcelo Figueiró

A Cabana – Filme envolvente explica motivos divinos para o mais incrédulo dos espectadores

Quando eu comecei a escrever sobre cinema um amigo repórter me deu o seguinte conselho. “Tu tem que escrever algo de um filme sobre Deus. Religião é um tema polêmico e vai atrair pessoas para o blog”.

Ele tinha razão sobre a importância que o público fornece a filmes de reflexão religiosa. Obras com filosofia de várias religiões, como a cristã em “Deus não está Morto”(2014), a espírita em “Amor além da vida”(1998) ou mesmo a evangélica, no brasileiro “Os Dez mandamentos”(2016), possuem sempre enorme apelo de público. Todas alcançaram grande bilheteria e mesmo passado algum tempo, continuam com força no imaginário popular.

Mesmo assim não escrevi sobre este tema por dois motivos. Primeiro porque não acho que deva ser algo a ser utilizado para angariar curtidas. Segundo porque acho um assunto muito complexo, difícil de ser abordado. Não me atrevi.

No entanto, como nos filmes acima, o escritor William P. Young, não teve a minha insegurança. O canadense foi além do esperado. Falou sobre Deus com maestria em seu livro “A Cabana”, que virou best-seller com mais de 18 milhões de livros vendidos desde 2007. Na última semana a adaptação de sua obra entrou no circuito de cinemas do Brasil com um filme do diretor Stuart Hazeldine (Exame, 2009) que realmente te envolve.

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Tristeza não tem fim, felicidade sim

A película traz a história do carpinteiro Mackenzie Allen Philip, interpretado pelo ator Sam Worthington(Avatar, 2009). “Mack” é um pai de família cristão praticante, que possui uma família bem estruturada, com uma esposa companheira e três filhos queridos. Mesmo com alguns segredos do passado, o personagem vive uma ótima vida. Isto é interrompido quando um desastre traz a “grande tristeza” para seu convívio.

Em uma viagem de férias, uma das suas meninas é raptada, no momento em que o pai estava salvando outro filho de um afogamento. A partir dai a vida do protagonista vira um inferno de raiva e culpa por não ter conseguido impedir que a pequena fosse morta, como mostrariam as evidências encontradas posteriormente em uma cabana abandonada.

Alguns anos depois do ocorrido, após ter abandonado sua fé e vivendo o ápice da depressão pela perda da menina, o personagem recebe uma carta para se encontrar com “Papa”, na cabana onde começou seu calvário.

“Papa” era o apelido que sua filha dava para Deus, quando fazia orações. Mesmo descrente, o protagonista parte para a cabana e surpreso encontra nela não apenas Deus, mas as suas três representações cristãs, o pai, o filho e o espírito santo.

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Pluralidade étnica e religiosa

Quem lê a sinopse acima espera que seja mais um filme evangélico, doutrinador nos dogmas da igreja. Não é assim que a fita se apresenta. O deus da cabana parece ser bastante moderninho e se mostra em várias raças e com diferentes posicionamentos.

O “Papa” sequer é um homem, como o ser supremo normalmente é mostrado, mas uma mulher negra e obesa que gosta de ser chamada de Elouise.

 Para interpretar o papel foi escolhida a atriz Octavia Spencer, uma afro-americana que foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante em 2017 pelo filme Estrelas Além do Tempo.  Deus também é mostrado brevemente como um nativo americano, interpretado por Graham Greene, de Dança com Lobos (1990).

Já o filho da santíssima trindade, ou Jesus, é vivido por Aviv Alush,um ator de feições árabes, resgatando a etimologia original de Cristo e indo na contramão da atual intolerância racial com os nascidos no oriente médio.

Por último, o espírito santo é trazido pela cantora Sumire Matsubara, uma oriental que representa sua religiosidade com uma prática de reflexão bastante Zen ou New-age.

Além do trio, outra personalidade abstrata que tem importância na trama é a encarnação da Inteligência. Literalmente um tribunal vivo interpretado pela atriz brasileira Alice Braga (Predadores, 2010).

Portanto, “A Cabana” não possui um deus branco de pele alva, olhos azuis e cabelos loiro, totalmente estigmatizado como estamos acostumados a ver. Deus seria sim um ser superior, que busca representar uma grande diversidade de pensamentos e biotipos.

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Palavras divinas de uma forma humana

O grande destaque da fita são os diálogos. Numa composição de conversas bem elaboradas, principalmente com questionamentos de Mack para Deus, a obra tenta fazer com que o protagonista, e o espectador, entendam as razões da divindade.

“Você escolheria qual entre seus filhos para sacrificar”, pergunta a entidade para explicar porque não castiga os humanos perversos.

Existem outras tiradas inteligentes como quando explica o castigo dos pecados do homem. “O pecado é o próprio castigo”, induzindo que os resultados da ação do pecador leva a sua própria dor, seja de consciência ou física.

Outra conversa interessante é quando o protagonista fala com Jesus e pergunta porque se sente mais a vontade com ele do que com Papa. “Talvez porque eu seja humano”, é a resposta recebida do árabe.

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O perdão como objetivo

Não tive a oportunidade de ler o livro que originou o filme , mas, como já disse, a adaptação é envolvente. Isto porque na alegoria da cabana é possível entender os motivos do ser superior apresentado e o porque de sua onipotência encontrar limites.

Também porque consegue explicar completamente ao protagonista, e por consequência ao espectador, como é possível fazer uma jornada de perdão para se livrar do ódio.

Disseca-se na fita os sentimentos do personagem objetivando encontrar o perdão a deus, o perdão a si mesmo e o perdão ao mundo que o fez sofrer tanto. Trata-se de um exercício de desabafo que mostra como as pessoas mais doloridas podem avançar ao se libertarem dos pesos que as prendem.

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Falar de Deus é falar do mundo e de nós mesmos

Embora eu acredite numa “força que permeia e une todas as coisas vivas”, não sou um religioso exemplar. Mas sinto que talvez estivesse errado quando não aceitei o desafio de meu amigo repórter, descrito no primeiro parágrafo.

Falar de deus, como fez o autor, não é algo difícil. Na verdade ajuda a meditar e questionar o mundo em que vivemos e a nós mesmos. Para o analista de cinema que resenha sobre uma obra desta envergadura não é diferente.

Por incrível que pareça fazer a avaliação de “A Cabana” é tão reconfortante como deve ter sido para o autor escrevê-la. Sem ser deveras crédulo saliento, talvez devamos fazer isto mais vezes. Certamente esta ação nos tornará escritores, leitores e seres humanos melhores.

 

Trailer – https://youtu.be/fVgK9yRmrjI

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