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Gládis Wolff

História e Cultura

Gaurama: da Estação Barro à curiosa (Des) ordem urbana

A organização de muitos núcleos coloniais da zona Norte do Rio Grande do Sul, onde se formou a Colônia Erechim, no início do século XX, foi norteada grandemente pelos princípios positivistas. A preocupação em executar um trabalho técnico, sistemático e metódico foi característica presente nas determinações dessa doutrina, segundo a qual a função do povoado seria a de centro coletor e distribuidor de mercadorias e elaborador das pequenas indústrias de necessidade local. O exemplo mais visível da aplicação prática da doutrina positivista foi exatamente o caso de Erechim, cuja conformação urbana obedeceu esta lógica, que previu a observância de traçados de ruas e praças, quadras e lotes urbanos, sendo privilegiado o aspecto estético, fundamental nesta doutrina.

Particularmente no que se refere ao povoado Barro, atual Gaurama, a edificação do núcleo urbano teve características próprias e um ritmo que, logo após 1910, com a abertura da ferrovia, significou algo mais que apenas uma estação ou parada dos trens.

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A Colônia Barro viveu a experiência de duas formas de colonização: a pública e a privada. Já quando da abertura da mata para a fixação dos marcos da ferrovia, por volta de 1908, alguns trabalhadores fixaram-se próximo ao local demarcado para a estação, e, quando iniciou a colonização orientada, as terras a oeste da linha férrea ficaram como propriedade da colonizadora privada Luce Rosa e as do leste, para a colonização pública. E a oferta de terras atraiu centenas de famílias (i0migrantes em curto espaço de tempo.

E quando a Comissão de Terras pretendeu demarcar ordenadamente os lotes para o perímetro urbano de Barro, boa parte dos terrenos próximos à área da estação estava já ocupada e, portanto, sem prévia planificação. Por essa razão, também diferentemente de outros municípios, a estação ferroviária centralizou o ordenamento urbanístico, que foi se efetivando espontaneamente e ao longo dos trilhos, conformação que permanece até a atualidade.

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Outra observação a fazer é que a empresa construtora da ferrovia, ao instalar a estação, reservou áreas que ficaram sob seu domínio. A estação Barro, como foi um centro de abastecimento de lenha para as marias-fumaças, tinha a necessidade de amplos espaços para depósito, bem como para a madeira destinada à exportação, que ficava estocada perto dos trilhos aguardando os vagões. Ainda, a demarcação da área de preservação de nascentes visava a uma previsão de reserva também para o abastecimento das locomotivas a vapor. Da leitura dos sucessivos relatórios da Comissão de Terras estão referidas as preocupações com a ocupação rápida e desordenada de áreas que deram origem ao núcleo urbano, próximas à estação e ao longo dos trilhos. Sem planejamento, sem demarcação prévia, sem ordenamento.

Essa falta de planejamento acabou favorecendo a “setorização espontânea de etnias”, pois a ocupação foi feita sem a determinação da autoridade à qual competia a indicação orientada dos lotes, algo muito comum no período. Os registros mais antigos apontam a ocupação de Barro por italianos, alemães e poloneses. Contudo, outros colonizadores pertenciam à etnias que, pelo seu menor número, foram assimilados e aproximaram-se culturalmente a outros grupos de origem étnica mais afim. Russos, ucranianos, lituanos, espanhóis, holandeses, portugueses e austríacos, buscaram uma identificação étnico-cultural, criando-se então as sociedades étnicas. Mas este aspecto é uma interessante temática para outro artigo.

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Como o título refere, a rápida ocupação de lotes de forma desordenada   acabou dando uma característica própria à cidade de Gaurama e um ordenamento urbano que lhe é muito peculiar. O fato de a estação já estar construída em 1913 favoreceu a ocupação de lotes no seu entorno, antes, portanto, de um planejamento, como a orientação da colonização positivista realizou em outros locais. Uma observação mais detida do centro da cidade hoje permite perceber a quase inexistência de quadras traçadas em tamanho e forma regular, pois os trilhos foram, desde o princípio, o eixo centralizador do processo de ocupação e a linha divisória entre as duas formas de colonização.

Um interessante documento já do ano de 1921, mostra que moradores da Vila Barro receberam autorização do Intendente de Erechim, permitindo a colocação de postes de lampiões a gás nas proximidades da estação. Esta tênue iluminação pública passou a encantar os moradores, como acontecia nas grandes cidades.

Por todos estes fatos históricos, a Estação Ferroviária de Gaurama, tombada como Patrimônio Histórico Municipal, localizada no Largo da Prefeitura Municipal, no coração da cidade e onde funciona o Museu Municipal Irmã Celina Schardong já recebeu projeto de nova iluminação adaptada à estética e à elementos históricos da edificação. Também foram efetuadas ações de restauração das aberturas e em seus espaços internos. Seu entorno está recebendo obras de revitalização, preservando-se os trilhos e postes no estilo dos velhos lampiões de gás.

Do desordenamento urbano do início da colonização, que contrariou a lógica positivista, Gaurama hoje tem o privilégio de ter seu marco histórico – a estação ferroviária – com centralidade e visibilidade e a partir de dezembro, quando se reabrirá a estação e o museu, o espaço será mais um de seus cartões-postais.

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