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Felipe Fogolari

Insegurança e convívio em espaços públicos

A vida urbana na atualidade padece de um fenômeno muito interessante, pois as cidades não podem mais ser consideradas como um lugar adequado para uma vida comunitária, considerando que a comunidade pressupõe a comum unidade de indivíduos num lugar confortável e aconchegante. Contudo, as pessoas ficam enclausuradas em suas casas, porque como diz Bauman, na obra Comunidade, lá “fora, na rua, toda sorte de perigo está à espreita; temos que estar alertas quando saímos, prestar atenção com quem falamos e a quem nos fala, estar de prontidão a cada minuto”.
Esse sentimento de insegurança é típico das sociedades contemporâneas, pois viver é correr riscos. Entretanto, o medo do outro cresceu em proporções assustadoras, ocasionando significativa proliferação de dispositivos e sistemas de segurança, tais como alarmes antifurto, travas de segurança, seguros residenciais e de veículos, condomínios fechados com a mais variada parafernália de vigilância e dificuldades de acesso.
O medo generalizado teve efeito imediato na lista de prioridades do planejamento urbano, pois elevou à condição de grande destaque a guerra à insegurança. Na obra Confiança e medo na cidade, Bauman diz que “o problema, porém, é que, com a insegurança, estão destinadas a desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida urbana”.
Nesse contexto, os espaços públicos deixaram de ser locais próprios para o convívio com pessoas diferentes, situação evidente e cotidiana na origem das cidades. Lucio Grinover, no artigo A hospitalidade urbana, enfatiza que ao lado de muitos exemplos possíveis, é interessante aquele da praça que, no Ocidente, teve um papel considerável como lugar hospitaleiro. Na cidade tradicional, a praça, enquanto centro vital, reunia funções que permitiam múltiplas práticas: praça da catedral, praça cívica, praça do mercado. Contudo, presentemente os espaços públicos tornaram-se ponto de encontro de um grupo determinado, ou de grupos que rivalizam a hegemonia do espaço, sempre em detrimento do outro, do “diferente”, o que descarta a possibilidade de vida urbana comunitária.
E, por um traço da cultura atual, a ênfase dos aspectos distintivos não é apenas tolerada, mas incentivada, mediante o argumento que todos têm direito à diferença, e somente a diferença é considerada, o que ocasiona a segregação e a rivalidade, em detrimento da cooperação e da solidariedade indispensáveis a uma comunidade que privilegie o compartilhamento e o cuidado mútuo. E isso tudo ocorre em prejuízo de coisas que deveriam ser muito estimadas pela condição humana, considerando que fica relegado a segundo plano o olhar, o toque, a interação, a presença física, a integração, a solidariedade, numa palavra, a urbanidade, que expressa bem a hospitalidade indispensável ao convívio urbano.
O resgate do convívio urbano de qualidade nos espaços públicos exige a busca de alternativas consistentes e factíveis, através de políticas públicas criativas, projetos sociais inclusivos e, sobretudo, efetiva participação das pessoas. Enfim, todos podem e devem colaborar para tornar a cidade um lugar melhor para se viver.

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