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Ana Laura Montini Giaretta

Querido futuro intercambista,

Quem me conhece há tempo sabe que sempre gostei de viajar. Pensando bem, creio ser custoso encontrar alguém que não aprecie tirar um tempo para si em algum lugar diferente do habitual. De qualquer maneira, viagens menores foram parte de minha vida desde que me conheço por gente. Há alguns anos, no entanto, as percepções foram mudando e o desejo de fazer parte de um intercâmbio passou a se manifestar com força. Se isso ocorreu com você também, parabenizo-lhe: você é corajoso e sonhador, uma exceção nesse mundo de gente acostumada com o rotineiro e com medo de sair de sua zona de conforto. Talvez ainda não tenha noção da magnitude do que está prestes a acontecer dentro de meses ou anos. Seu destino, além do país escolhido, será uma jornada rumo a uma das maiores renovações interiores que alguém pode ter.

Fazer um intercâmbio é chegar e, ao por os pés na parte de fora do aeroporto, sentir no ar um aroma único que caracteriza esse lugar que, por algum motivo, você elegeu ser especial para ficar. É ter a espinha percorrida por aquele vigoroso frio de curiosidade sobre o que está por vir. As expectativas, mais do que nunca, são elevadas impetuosamente e de alguma maneira você sente que, sim, está pronto para tudo aquilo que lhe aguarda. Não importa quem você é, se tem reputação de medroso ou se não sabe o idioma ali falado: você está preparado e tem consciência disso, do contrário, sequer estaria onde se encontra.

Você vai se deparar com uma escola estranha e pessoas agindo de maneira totalmente diferente à qual estava acostumado e, de repente, seu maior desejo vai ser que alguém lhe chame para dar-lhe as boas vindas.

As amizades, antes algo que era de praxe, corriqueiro e normal, passam a ser um presente. Cada novo elo estabelecido é uma conquista que, para você, terá dimensão e importância imensuráveis. O contato com outros costumes, pensamentos coletivos diferentes, comunicação em outro idioma… Tudo isso tornará a experiência de conhecer alguém muito mais fascinante e desafiadora e você, involuntariamente, passará a valorizar cada singelo “oi” proferido por alguém em sua direção. Vai rir de piadas que definitivamente não entendeu e ficar radiante quando, depois de algumas semanas ou meses, compreender o que havia sido dito naquela vez.

Você vai se empolgar falando sobre seu país de origem, o qual, de repente, parece ser o melhor do mundo. A sua antiga opinião sobre ele sequer vai correr por sua mente, e tudo o que importa naquele momento é convencer seu interlocutor de que você vem de um lugar incrível, cheio de atrativos e particularidades que, vamos combinar, só ele tem.

Falando nele, às vezes pode ser que a saudade bata intensamente nos momentos mais fortuitos: ao ver as fotos de seus amigos se divertindo na lanchonete preferida de sua cidade natal ou ao pensar “caramba, meu pai iria amar esse biscoito!”. Ela será sua companheira constante e, com o tempo, as lembranças, ao invés de perturbá-lo, serão um reconforto.

Talvez tenha de mudar seu horário de dormir, acordar e o lanche que levava para a escola. Vai se surpreender ao ver que as coisas mais banais, como pagar uma conta, atravessar a rua ou portar-se à mesa, podem ser feitas de um jeito totalmente diferente. Provará comidas que jamais imaginou existirem e gostar tanto que, naquele exato momento, lamentará o fato de jamais poder comê-la novamente no país de onde veio. Provavelmente também constatará que entender o transporte público não é tão fácil quanto parecia e sentirá ainda mais dificuldade quando tiver de explicar às pessoas o sistema escolar ou como funcionam os impostos do lugar de onde você veio.

Descobrirá o seu – e somente seu – jeito de explorar os lugares. Pode ser que prefira planejar tudo e seguir à risca seus mapas e, no fim de tudo, ficar exultante de contentamento ao ter conseguido visitar todos os lugares que queria naquela tarde. Pode ser também que você se perca e acabe encontrando uma praça deslumbrante ou uma cafeteria de uma esquina qualquer com o bolo mais delicioso que já teve o deleite de experimentar. Ou pode ser que resolva colocar suas habilidades de localização à prova deixar tudo nas mãos do destino. Permitir-se-á se perder de propósito, deixando com que a cidade exerça seu poder sobre você e guie-o para destinos mais improváveis. Seja qual for o seu estilo, você descobrirá lugares inusitados e tão escondidos que poderá chamar de seus e, de vez em quando, recorrerá a eles nos mais variados momentos.

Na soma de tudo isso, verá que o mundo está na palma de suas mãos e que, ao mesmo tempo, nada vem sem esforço. Sentirá que é capaz de fazer coisas extraordinárias porque, afinal, você realmente fez! O orgulho vai bater forte ao constatar que sua essência permanece a mesma e agora tem consigo uma grande bagagem de experiências proporcionadas por ninguém além de você mesmo.

E, quando a hora de voltar estiver se aproximando, você vai sentar para tomar um café e se despedir mentalmente daquele local que lhe proporcionou tanto amadurecimento. A risada estranha daquele seu novo amigo, os hábitos singulares de sua família, as aventuras em suas viagens e todas as frustrações e micos virão de uma vez à sua mente e você passará a se perguntar por que não aproveitou mais cada milésimo de segundo que passou sobre aquele chão. Ninguém poderá culpá-lo por não querer retornar à sua cidade natal e muito menos por relutar em abandonar a cidade que virou seu lar por esse período, afinal, ali você criou sua própria vida conforme seus próprios passos. Nada se compara ao sentimento de êxito que essa conquista é capaz de criar. Apesar de tudo, você estará deixando tudo isso para trás para entrar novamente nos trilhos da sua antiga vida, que então lhe parecerá tão distante.

Você irá embora e chegará em casa com um pé ainda por lá e mal vendo a hora de voltar. Dessa vez, no entanto, nada parecerá tão assustador, pois, como você mesmo comprovou, o mundo é todinho seu. Se for para se preocupar, que seja somente com a conta bancária. A essa altura você já vai ter percebido que essa coisa de viajar vicia – isso se já não estiver absorto em pensamentos planejando sua próxima aventura.

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