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Estudante de Erechim decide voltar ao Brasil após terremotos na Itália

Universitária de 22 anos relata em reportagem especial a experiência vivida em Camerino e Roma

Por: Por Andressa Collet|em Roma
Fotos: Arquivo pessoal de Caroline Ceni e Claudio Accogli/EPA/A. Lusa

A estudante de Direito da URI, campus de Erechim, Caroline Capelesso Ceni, já está de volta à cidade natal e na segurança do seu lar. Um bálsamo para a jovem acadêmica que viveu a última semana como se estivesse dentro de uma série insistente de pesadelos. Com apenas 22 anos, a experiência de intercâmbio na Itália, que coincidiu com os terremotos registrados na região central do país, criou uma mistura de sentimentos em Caroline, entre ter que interromper os projetos finais da graduação e lidar com uma sensação ainda viva de que novos tremores pudessem acontecer a qualquer momento.

Há exatamente uma semana, em 26 de outubro, dois fortes terremotos tiveram epicentro em Camerino, onde Caroline estava, e em outras quatro cidades próximas, num intervalo de pouco mais de duas horas (o primeiro de magnitude 5,4 e o segundo de 5,9 graus na escala Richter). Não houve registro de vítimas.

“Naquela quarta-feira, a gente não teve aula durante o dia, mas um congresso sobre a escravidão. No início da noite eu fui no curso de inglês, como de costume, das 17h30 às 20h. Era um pouco afastado do centro histórico, em prédios mais novos da universidade, numa aula que estava cheia, uns 50 alunos. A Lilian (Bis Figueira, colega de Erechim) ficou em casa. Logo quando acabou o intervalo da aula, depois das 19h (horário local), a gente começou a sentir o tremor. Eu peguei minhas coisas e saí correndo para porta”, conta Caroline.estudante4

“Umas dez pessoas fizeram a mesma coisa. A professora italiana tentou nos tranquilizar e continuou a aula. Eu cheguei a voltar para sala, mas resolvi não ficar. Peguei minhas coisas e saí do prédio. Lá fora já tinha mais gente decidida em ir embora. Liguei pra Lilian e ela estava bem, mas também tinha saído de casa. Foi então que peguei o ônibus e, no trajeto, entrou um outro colega brasileiro, o José Francisco (de Minas Gerais). Ele contou que estava na aula de alemão e, no momento do tremor, ele viu gente pulando a janela para escapar. O José ficou alguns segundos sem saber o que fazer, mas logo pegou as coisas e saiu correndo também. Descemos juntos na parada lá de casa, que fica fora do centro histórico”, amplia.

“Já era 20h, e jantamos juntos. Resolvi subir no quarto do dormitório para me trocar, colocar uma roupa mais confortável. Vesti a calça de moletom e coloquei as pantufas e, na hora que tirei a parte de cima, as luzes se apagaram e tudo começou a tremer. Desci as escadas correndo e fui para fora, mesmo sem a roupa de cima. O quarto ficava no segundo andar e não sei como eu desci aquelas escadas tão rápido. Eu sentia a parede balançando em mim. Ao chegar fora do prédio, ainda estava tudo tremendo, eu me abracei para poder me cobrir e gritei pela Lilian. Ela me viu sem roupa e me deu o casaco dela”, enfatiza Caroline.

“Estava tudo muito escuro e começamos a ver as pessoas saindo de casa. Quando parou de tremer, ela conseguiu voltar para o quarto para pegar minhas coisas, pois eu tinha saído sem nada, sem bolsa e nem celular”, lembra Caroline, ainda abalada com tudo o que viveu.

Em seguida, segundo relatos da estudante, eles não sabiam o que fazer, mas resolveram descer no estacionamento de uma das sedes da universidade que ficava próximo de casa. Dali pegaram carona com uma colega e se deslocaram até um outro estacionamento, maior e em área plana, seguindo indicação de outros estudantes indianos que viveram o terremoto de Amatrice (que vitimou quase 300 pessoas no final de agosto). Posteriormente, ainda foram orientados a ir a um ginásio esportivo que ficava a uns 15 minutos de carro do centro da cidade.

“Quem não tinha carro para ir, pegava os ônibus municipais que já estavam fazendo o trajeto até o ginásio. Já tinha gente vindo inclusive lá do centro histórico”, comenta a estudante que imagina que a comunidade tenha sido avisada para sair de casa através de autofalantes que “estão localizados em pontos estratégicos, bem no topo de edifícios posicionados nas esquinas das ruas principais do centro histórico”.

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Região atingida pelo terremoto, em foto feita por Caroline antes dos abalos

Ao chegar no ginásio, a acadêmica da URI conta que já tinha muita gente, entre pessoas de idade, crianças e até cachorros. Os voluntários já estavam dando cobertores para todos, enquanto as camas elásticas começaram a ser distribuídas primeiro para idosos e crianças e depois para o restante dos desabrigados.

“Nós estávamos num grupo de cinco brasileiros, pegamos uma cama que sobrou e fomos revezando durante a noite, entre a cama e a arquibancada. Eu não consegui dormir. A maioria das pessoas, sim. Então fui para um dos lados do ginásio onde podia carregar o celular. Foi quando senti um outro tremor, umas 5 da manhã. Arranquei na hora o meu celular e corri para o lado de fora da porta. Parou de tremer e tudo se acalmou novamente e resolvi voltar próximo ao nosso grupo”, relembra Caroline.

O espaço era um grande dormitório para os desabrigados que se viam obrigados a passar aquela noite, todos juntos. “A gente via de tudo por lá. Os voluntários pediam que as pessoas ficassem quietinhas e não fizessem barulho. Uma cena triste que lembro foi presenciar, no meio do ginásio, uma família que auxiliava um senhor idoso, velhinho e bem fraquinho, a trocar a fralda. Da mesma forma que era um lugar que dava sensação de segurança. Tu não estava sozinha, mas com um monte de gente e, de um jeito ou de outro, isso acalmava. Durante a noite também percebi a presença dos frades, bem atenciosos, que a todo momento passavam oferecendo chá, água e bolacha. Já no outro dia os voluntários ainda nos prepararam o café da manhã com suco e croissant”, descreve Caroline, antes de partirem de vez para Roma.

As estudantes da URI conseguiram pegar as malas na quinta-feira (27) e tinham a ideia de voltar para Erechim.

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Caroline em monumento da cidade antes do terremoto

O terremoto que Roma sentiu

Já em Roma, Caroline conta que a colega estava decidida a sair da Itália (Lilian voltou ao Brasil ainda no sábado, dia 29), diferente dela: “a Giana (Zanardo Sartori) sempre foi minha ponte entre a URI e tudo que estava acontecendo, e me sugeriu de esperar uns dias na casa de uma conhecida de Erechim que morava em Roma, porque eu não queria ir embora correndo assim. Tinha medo de ficar aqui sozinha ou ir para um hotel, mas também não queria ir embora. Eu decidi ficar e esperar. Inclusive a minha mãe disse para esperar o final de semana e ver o que acontecia. O pessoal gentilmente me cedeu a casa e foi quando finalmente consegui dormir tranquila, três dias depois do terremoto do dia 26. No domingo, porém, depois das 7 da manhã, do colchão onde dormia, percebi que tudo começava a tremer novamente. Eu acordei, mas continuei deitada porque, depois que a gente vive uma primeira vez, qualquer tremida que você sente começa a pensar que é terremoto. Mas deu uns 10 segundos e o tremor não parou. Levantei em seguida, chamei pela Andressa e vi que o Marcelo abriu a porta do quarto e descemos nós três correndo. Quando chegamos lá embaixo já tinha parado o terremoto. Logo depois, voltamos para o apartamento. Eu entendo que quando tudo está tremendo é muito automático a gente ‘voar para fora’. Tu não sabe como acontece, mas tu voa! Tu não para pra pensar, tu simplesmente sai”, relembra Caroline que ainda estava se dando uma chance para retomar a experiência de vida internacional.

O terremoto de 30 de outubro de magnitude 6,6 graus na escala Richter atingiu o centro da Itália, teve epicentro na cidade de Norcia e foi sentido a pouco mais de 100 Km, em Roma. Não houve relatos de mortes ou feridos após o sismo, mais foi considerado o mais intenso a atingir o país desde 1980. As regiões afetadas foram as mesmas que sofreram repetidos tremores nos últimos dois meses.

O contexto angustiante não deixou mais dúvidas de que o intercâmbio na Itália tinha prazo final. Caroline chegou na noite desta quarta-feira em Erechim. “Fico triste por tudo que está acontecendo lá. Se eu já estou desnorteada, imagina como está o pessoal que ficou lá na região afetada. São pessoas que não podem largar tudo e abandonar a antiga vida delas. Quem é jovem, pode começar de novo. Mas e quem já é velhinho e está lá sozinho? Outra coisa que eu penso também: e quem tinha comércio e dependia disso para viver? Vai fazer o que agora? Vai manter e ajudar a família e os filhos como? A gente tem a possibilidade de voltar para casa, eles não. Lógico que vão reconstruir tudo, e eu espero que isso aconteça o quanto antes, mas acho que a sensação do medo vai demorar muito tempo para passar. Está difícil de entender o terremoto. Dá agonia de lembrar”, diz Caroline que, emocionada depois de tanta pressão imposta pelas novas experiências, começa a refletir e pensar na família em Erechim.

“A gente tem que pensar na gente, mas sabe que a família também está agoniada. Você nunca sabe o que vai acontecer e nem quando vai morrer. Dá medo, sabe, dá medo. Então decidi ir para casa. Estes dias a mais que eu fiquei aqui deu para aprender que a vida não é bem do jeito que a gente planeja e que às vezes precisamos nos adaptar e pensar no plano B. A minha mãe sempre falou para mim: ‘Carol, tu não pode achar que tudo vai ser sempre do jeito que tu quer’, porque não é assim. Acho, então, que a Carol que volta está bem mais madura. E estou bem em voltar para casa, já pensando em um monte de coisas para fazer. Mas confesso que ainda estou triste por ter visto tudo aquilo que as pessoas estão vivendo. Porque quando estamos no nosso mundo, tudo é bonito e a gente não vê tanta gente sofrendo, não para pra pensar que existe coisa bem pior que os teus problemas”.

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Caroline observa a paisagem da região. A foto foi feita dias antes dos abalos

O terremoto de Amatrice

No final do mês de agosto, um pouco antes das estudantes da URI de Erechim partirem para a aventura acadêmica internacional, aconteceu o terremoto na cidade italiana de Amatrice, a 60 km de Camerino, de magnitude 6,0 graus na escala Richter que vitimou quase 300 pessoas. “Estávamos acompanhando as notícias, ficamos um pouco assustadas porque morreu bastante gente, mas não ficamos apavoradas”, lembra Caroline. Tanto que a viagem transcorreu como o previsto para chegar na Itália no início de setembro. No terceiro dia de Camerino, porém, logo no primeiro final de semana de Itália, as estudantes chegaram a sentir aquele que teria sido o primeiro tremor vivido por elas no país. Foi durante a madrugada enquanto dormiam: “sentimos que alguma coisa estava tremendo e aí a gente acordou. No outro dia, um domingo, chegamos a avisar a família. Já na segunda-feira, na universidade, ao perceberem que éramos estrangeiras, questionaram se tínhamos sentido o tremor. Chegamos a pedir se aquele era um fenômeno comum. Uma pessoa me disse que não era para ser comum, mas que esperava que não acontecesse mais”, comenta Caroline.

 

Convênio de mobilidade internacional

Entre o final de 2015 e início deste ano a URI assinou convênios com cinco universidades italianas. Além de Camerino, o acordo de mobilidade internacional foi confirmado com as instituições das cidades de Perugia, Salerno, Ancona e Trento. A coordenadora da área de Ciências Sociais Aplicadas da URI de Erechim, Giana Zanardo Sartori, explicou que a oportunidade foi divulgada nas seis unidades da URI, inclusive em Erechim, para se dar, então, o processo interno de seleção dos interessados. Do curso de Direito, Caroline Capelesso Ceni e Lilian Bis Figueira foram as aprovadas e aceitas pela Universidade de Camerino.

A ideia de intercâmbio era uma novidade acolhida, primeiro, com um certo receio, mas depois com bastante entusiasmo por Caroline, bolsista de iniciação científica. “Eu fiquei meio em dúvida porque já estava pagando a formatura. Como eu iria abandonar tudo assim? Não tinha nem comentado com meus pais, afinal, temos aquela ideia fixa de que tem que se começar a faculdade e acabar logo para depois achar um emprego e se estabilizar. Fazer tudo certinho, calculando o tempo para tudo”, comenta Caroline. A decisão foi tomada depois de conversar com os pais que a incentivaram a viajar ao exterior, principalmente pelas oportunidades futuras que a experiência poderia trazer, além de qualificar o currículo da acadêmica.

Caroline precisou então interromper a formatura, que se realizaria no início do próximo ano, e procurou aprender italiano. Conhecer a língua estrangeira era fundamental para a estudante que frequentaria quatro meses de aulas para completar a grade de disciplinas exigidas no curso no Brasil, já que a monografia tinha sido produzida e apresentada ainda no primeiro semestre. Além desse período de estudos, a estadia tanto de Caroline come de Lilian na Itália se alargaria até o mês de março, mas o retorno foi antecipado por causa da série de tremores. “A gente nunca imaginou que efetivamente a situação do terremoto pudesse ocasionar a volta delas. Pensamos que a situação pudesse se acalmar, mas elas não se sentiram seguras e retornaram. O que realmente importa é que elas estão bem”, disse a coordenadora. Segundo Giana, assim que as atividades didáticas da instituição italiana voltarem ao normal, a situação acadêmica delas também será melhor administrada.

Em comunicado no site oficial da Universidade de Camerino, o reitor Flavio Corradini faz saber que a instituição vai colocar alternativas de frequência às aulas à disposição dos alunos, como a possibilidade de seguir as atividades em modalidade telemática. A solução será temporária para um universo de estudantes, muitos dos quais estrangeiros, mas irá garantir o aprendizado à distância. A instituição é uma das mais antigas e prestigiosas da Itália.

Giana Zanardo Sartori explicou que chegou a fazer reuniões com o reitor da URI de Erechim, Luiz Mario Spinelli, para melhor conduzir o ocorrido que “foge às nossas capacidades porque ainda estamos sem ação. A Universidade de Camerino continua fechada e não conseguimos contato com os professores responsáveis pelo intercâmbio. Tentamos viabilizar a continuidade do curso através da Universidade do Porto, em Portugal, com quem a URI também tem convênio para mobilidade de estudantes. Mas, academicamente, acharam difícil a integração da aluna, uma vez que as aulas iniciaram no início de setembro e o calendário das universidades italianas e portuguesas é diferente”, acrescentou a coordenadora.

Até hoje, sete alunos do curso de Direito fizeram intercâmbio fora do país, em Portugal. Caroline e Lilian foram as primeiras do curso do convênio com a Itália. “A gente incentiva os alunos a saírem do espaço em que vivem para ter outras experiências, conhecer outras pessoas e culturas e vivenciar outras formas de estudo, já que a Europa tem outra maneira de trabalhar as questões acadêmicas. Mesmo que tenha sido interrompido, o intercâmbio na Itália foi extremamente importante para elas. O nosso esforço sempre tem sido esse, de incentivo, mesmo não dispondo mais de muitos recursos do governo federal”, salientou Giana. E acrescentou: “não deixaremos de estimular que os intercâmbios aconteçam. Não é esse fato do terremoto que vai interromper a nossa vontade e a nossa proposta de internacionalização para os alunos e professores”.

Nem mesmo Caroline pretende apagar a sua experiência no exterior, ao contrário: “não sou radical, ainda voltarei para Itália porque é um país maravilhoso. Fiquei encantada com tudo o que vi! Não dá para descartar a hipótese de voltar. Acho que vai dar muita saudade ainda”.

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