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OPINIÃO: “No coração gentil, sempre busca refúgio o Amor”

Alcides Mandelli Stumpf Médico e Membro da Academia Erechinense de Letras “Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito da época ou espírito do tempo. Em resumo, significa o conjunto do clima intelectual e cultural, num determinado período.A partir desse conceito – mesmo em momento de júbilo – não podemos ignorar a triste realidade que ora envolve […]

Por: Da Redação

Alcides Mandelli Stumpf

Médico e Membro da Academia Erechinense de Letras

“Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito da época ou espírito do tempo. Em resumo, significa o conjunto do clima intelectual e cultural, num determinado período.A partir desse conceito – mesmo em momento de júbilo – não podemos ignorar a triste realidade que ora envolve o mundo e principalmente o país.

ZygmuntBauman, sociólogo e filósofo polonês, falecido em janeiro deste ano, fundamentou a ideia de modernidade ou sociedade “líquida”. Conceito este que serviu de base ao chamado movimento pós-moderno. Para Bauman, entre as características primordiais do presente está a crise do Estado – hoje submisso a entidades supranacionais e grandes conglomerados econômicos. Com a debacle estatal, falseiam as garantias dos cidadãos e a possibilidade de resolver de forma equânime e local os conflitos inerentes a cada cultura.

A reboque surge a crise ideológica, política e partidária. Valores culturais e individuais, que até então interpretavam e interagiam com as aspirações e necessidades populares se esvaem no tempo e no espaço.

Ato contínuo, ocorre a dissolução da comunidade e emerge o individualismo exacerbado; desaparece o companheirismo. O outro passa a ser o antagonista contra quem devemos nos proteger ou até abater – homo homini lupus.

Esta situação, eminentemente prática, abala as origens mais profundas das relações humanas e na falta de referências sólidas, a sociedade se dissolve e torna-se líquida, como referido inicialmente.

Perde-se a certeza do direito; a justiça passa a ser percebida como inimiga, os demais, os outros, não nos interessam. Resta ao indivíduo pós-moderno a alternativa única de exibir-se compulsivamente no seu niilismo dominante e consumir bens materiais freneticamente. Consumismo que visa tão somente a posse das coisas, qual insaciável bulimia social e cultural.

Será por este o Zeitgeist pelo qual seremos lembrados?Creio que não, pois somos apenas parte da história e não seu final – nos ensina Santo Agostinho. Não sabemos pelo o que e sequer por quem seremos julgados.Assim, diversos dos pós-modernos, nós, os quatro novos acadêmicos, recebemos esta honraria calcada na veracidade, coerência e integridade de nossas vidas e obras.

Pela homenagem somos gratos e reconhecidos aos pares que nos acolhem em tão nobre casa. Agradecemos também a quem nos instruiu no processo “normal” de aprendizagem, as reprimendas escolares e aos limites familiares. Certamente, não lutamos sozinhos para nos tornar mais criativos e imaginativos; não nascemos prontos e acabados. Aprendemos sim, a ser leais, dedicados, honestos e perseverantes, ao seguir os princípios ditados por nossos pais e nossos mestres.

Dedicamos muitos anos de estudo às técnicas de expressão e convenções inerentes a cada especialidade – música, prosa e poesia – experimentando-as, personalizando-as, na busca constante da voz autêntica, da luz própria, única e expressiva.

Assim digo aos senhores que, embora envolva persistência, e até certa angústia, o prazer decorrente do processo criativo é intenso e leva a querer repeti-lo. Os sentimentos mais vivos ressurgem, pois estamos a construir algo, em vez de meramente consumir ou destruir.

Eis o nosso ofício ante a perplexidade dos mistérios da vida: contemplar, relatar e interagir com as estruturas maravilhosas que há por trás da realidade.

“Os sentidos se deliciam com as coisas bem proporcionadas”, nos diz Santo Tomás de Aquino.Este é o milagre da mente humana: usar construções, conceitos e fórmulas artísticas como ferramentas para explicar o que as pessoas veem, tocam e sentem.

No entanto, somos reféns de uma época que conspira contra a cultura e o humanismo. Tempo em que os maus, traidores e falsários, facilmente se fazem ouvir. Enquanto os bons, os empreendedores e realmente inovadores, são preteridos pela inveja, ganância, avareza, quando não pelo simples ódio animal.

Como médico e leitor insaciável, cito Dante Alighieri o grande poeta e pensador florentino do século XIV, pioneiro no uso do vernáculo na literatura universal, que observa a má disposição da alma a três tipos de doença da mente: ostentação, abatimento moral e leviandade.

Ostensivas são as pessoas que vivem pela exibição, pompa e bazófia. Não conseguem aprender, já que presunçosas se sentem instruídas sobre tudo e todas as coisas.

A segunda doença da alma acontece pelo abatimento natural da mente que leva a negação da possibilidade de que algo pode ser conhecido por si ou pelos outros. Este mal acomete os preguiçosos, os pobres de espírito, os que não investigam e não ouvem o que os outros dizem. Esses, disse Aristóteles, não estão qualificados para a filosofia pois vivem na ignorância e recusam o aprendizado.

A terceira doença dantesca da alma, a leviandade ou superficialidade, extrapola todos os limites do raciocínio. Salta de uma conclusão para outra antes da construção de qualquer silogismo. Os afetados se entendem hábeis e espertos, quando na verdade não passam de rematados falastrões que nada sabem. É inútil argumentar com aqueles que negam os princípios, reforça Aristóteles.

Portanto, se considerarmos que tais conceitos existem há mais de vinte e cinco séculos, e foram ratificados há setecentos e dezessete anos, devemos acreditar que o espírito da época ou espírito do tempo muda, mas a essência humana, bem como a estupidez e estultice, perseveram impávidas e colossais – ora potencializadas ao extremo pelos idiotas da internet, como afirma Umberto Eco.

Para compensar os males, Deus, na sua infinita bondade e sabedoria, propicia à prontidão da alma, os chamados Dons do Espírito Santo, identificados por Isaías como Sabedoria, Entendimento, Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor a Deus.

Assim, ao finalizar, neste momento em que nos transformamos em imortais – deferência divina concedida por humanos – afirmo que nossas forças serão multiplicadas, nossa perseverança renovada e nossos anseios elevados. Hoje, de certa forma, renascemos – mas desta vez – para nunca mais morrer.

Finalizo, em nome dos acadêmicos, ao citar mais uma vez Dante:  “No coração gentil, sempre busca refúgio o Amor”.

(Discurso em nome dos quatro novos acadêmicos da AEL no dia 13 de setembro de 2017 na Câmara de Vereadores de Erechim)

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