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#Artigo – O pêndulo mortal da intermitência

Confira o artigo do desembargador Breno Pereira da Costa Vasconcellos

Por: Breno Pereira da Costa Vasconcellos

Não há data marcada para controle do patógeno Covid-19. A pandemia segue seu rumo, sem oposição real. Com a doença instalada globalmente, as pessoas devem preparar-se para longo e indesejável convívio com ela. Conhecimento completo do ciclo de vida do vírus e de suas fraquezas estruturais para a confecção da vacina salvadora de vidas demandará ainda algum tempo. Há prognósticos de campanhas de vacinação massiva para final deste ano e início do ano vindouro. Entretanto, tudo no momento é mera especulação. E mais. A cada ano, algo provável, será necessária nova rodada de vacinação maciça para reforçar a imunidade da população, como hoje ocorre com as corriqueiras outras pandemias gripais. Somem-se a isso a já recorrência de rebrotes da Covid-19. Estes futuros eventos ocorrerão sempre marcados pela incerteza de período, de local e de virulência. Aleatoriedade pura e simples.

Mormente nestes tempos de exceção, o Estado é responsável pela segurança dos cidadãos. Sentido mais amplo, isso abrange a incolumidade física da população, saúde e organização geral da vida em sociedade. Especialmente neste ponto, acesso a bens de consumo para o dia-a-dia, e no período excepcional vivido, o Estado é o garantidor das condições mínimas de trabalho para a subsistência digna dos indivíduos, estabelecendo o formato seguro de convivência social. Ações do Estado sempre balizadas pelo bem comum, acima de tudo e todos.

Desde o distanciamento social até a contagem do próprio tempo, a nova realidade – por óbvios motivos a ferro e fogo imposta – fez aflorar nos indivíduos a paciência. Somos, pois, pacientes… Entre as definições constantes de nossos dicionários, paciente é aquele que sofre os efeitos de uma ação praticada por outrem. Sem retórica de linguagem, o cidadão sofre as restrições determinadas pelos gestores públicos da nação, com pouquíssimo instrumental jurídico para se opor à exceção, mesmo se a gerência pública se revelar manifestamente falha.

Passado o absoluto isolamento inicial, a nova etapa necessita um plano mínimo de retomada da vida. O estreitíssimo preliminar rol de possibilidades de saída do lar e do exercício de atividades produtivas, aí incluída a de educação, deve ser substituído por retomada da rotina, nova e ainda a ser construída no trivial porvir.

Era o que se esperava, mas não é o que se revela ocorrendo.

A intermitência da ação produtiva remete à figura de um pêndulo mortal, ora apontando para vida, ora para destrutiva paralisia.

O questionamento inquietante e que não cala: fechar uma empresa indefinidamente até a pandemia passar (sem mínima chance fática de ocorrer o desaparecimento ou controle total do agente patógeno) ou continuar no abre-e-fecha, apoiado em sempre hipotética dança de números estatísticos? Ambientes de trabalho de profissionais liberais há muito estão fechados. Sem qualquer perspectiva imediata de reabertura. Com regras básicas de higiene e agendamento prévio, escritórios de advocacia, engenharia, contabilidade, salões de beleza, barbeiros, mecânicos ou quaisquer outros da área de serviços poderiam funcionar normalmente. Normalmente, dentro da uma normalidade a ser construída…

Em contraponto, ainda como mero exemplo, viu-se, às vésperas da inicial clausura sugerida aqui no Estado, em meados de março próximo passado, a aglomeração de mais de 53.000 pessoas na Arena, Gre-Nal da Libertadores da América, sem demonstração de protocolo de segurança sanitária. Igualmente, a tardia decisão de fechamento de acessos a áreas públicas de lazer na Capital, orla do Lago Guaíba e parques, somente determinada no final desse mês de junho.

Panis et circensis. Pão e circo – abstraída a rasteira conotação para designar escusa política populista – são necessários, complementares e inseparáveis em qualquer sociedade sadia. Não se vive exclusivamente para o trabalho. Atividades lúdicas ou de expressão cultural devem persistir e ser incentivadas também na época de exceção – e não só pelos incontáveis empregos gerados – mas porque alimentam a alma. Dão-nos reforço na esperança do melhor no porvir. Mas as regras, em especial as de épocas de exceção, devem valer para tudo e para todos.

Vidas estão em perigo. Vidas reais, perigo real. Qualquer vida perdida é dor imensa. Parentes, vizinhos, amigos, conhecidos… O remédio inicial, isolamento social, já passou a causar danos similares ou maiores do que os da pandemia.

A luta pela preservação de vidas – inquestionável – deve mudar tão-só o foco de sua estratégia de combate à pandemia: o que deve preponderar doravante para ser mais eficiente.

Clama apresentação efetiva e explicação a percentagem de falecimentos decorrentes unicamente do Covid-19 frente ao total de mortes havidas desde o começo da clausura forçada. A coleante dança dos números de estatística deve ter uma decodificação plausível. Dados estatísticos demandam interpretação chã, mormente para pacientes – todos nós – de medidas de excepcional gravidade. A planície precisa saber o que se passa no Olimpo.

Países do Primeiro Mundo, depois do inicial lockdown, retomaram a vida produtiva, mesmo ainda não domada a pandemia. A Europa retomou o rumo da vida, e os EUA não pararam. Não há mais toque de recolher. No Brasil, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro fixaram recomeços. Outros Estados da nação, igualmente, retornaram à vida. E não se justifique aqui com argumento de sazão. O verão de inúmeros países do hemisfério norte assemelha-se ao severo inverno gaúcho. Fato mais do que consabido.

Temos que aprender a conviver com o vírus. E não será na inação total, mesmo setorizada, necessária até muito recentemente. As pessoas começam a adoecer pela inércia. O não trabalhar gera doenças, físicas e da mente. Não ter de onde tirar o próprio sustento é a monumental tragédia. E se morre disto.

Urge um plano de retorno. Há protocolo de segurança de exercício de atividades essenciais, como setor da saúde, mercados e supermercados, farmácias, serviços públicos… Que se aplique genericamente, e se adapte o que se deve adaptar pelas características próprias, a todos os setores da vida produtiva.

A inércia paralisante, com o atual estado de morbidez de nossa economia, passa a tornar essencial TODA a cadeia produtiva.

O abre-e-fecha do embandeiramento cromático não pode persistir indefinidamente. Qual o planejamento, v.g., de um dono de restaurante? Compra gêneros perecíveis para atender um número calculado de clientes, remobiliza seu staff e, no repente, muda a bandeira… E as indústrias, demitindo, recontratando, ajustando férias coletivas, determinando a suspensão das férias concedidas? Onde vai parar o planejamento? Por que um profissional liberal, com todas as cautelas de protocolo de segurança sanitária, não pode atender clientes em seu ambiente de trabalho? E também o comércio, das lojas de rua, pequeno varejo, às megastores? Se tomados cuidados já largamente conhecidos, por que não retornar à ativa?

Acena-se com a temida figura do lockdown. Mas, o que já se vê, é a imposição de lockdowns setorizados e, tragicamente, indefinidos. O sentimento é de perenidade da paralisia do considerado não essencial.

Estamos em situação fática análoga a de um estado de sítio setorizado desde o início das chamadas medidas protetivas ou restritivas.

A classificação da não essencialidade de labor, observada a premente impositiva de todos necessitarem exercer atividade produtiva, deixou de ter sentido.

O primordial agora é, sob controle sanitário, o retorno ao trabalho. A lista de atividades é a da vida diária. Serve para todos os que querem e precisam trabalhar. E todos precisam trabalhar. De onde tirar o sustento próprio e dos dependentes em intermitente estado de lockdown?!

A inconstância nunca foi construtiva, e o isolamento social deixou de ser o único caminho para a conservação de vidas.

Esta errática oscilação mata. Chega de intermitência. A gradual saída segura do labirinto já existe. Sem a afoiteza, a inexperiência e a imprudência do infeliz Ícaro. Impõe-se a volta à vida.

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Quem é Breno Pereira da Costa Vasconcellos?

Consultor jurídico, inscrito na OAB/RS 15.642.
Atuou, desde os 25 anos, como Juiz de Direito nas Comarcas de Jaguarão, Mostardas, Seberi, Santo Ângelo, Viamão e Porto Alegre (na capital, atuou como titular na 16ª Vara da Fazenda Pública, 15ª Vara Cível, 1º Juizado e 7ª Vara Cível).
Trabalhou nos projetos de Conciliação Cível, Sentença-Zero, Falência e Concordatas, bem como de Família e Sucessões.
Em 1998, passou a atuar como juiz convocado na 2ª Câmara Especial do TJRS.
Promovido a Desembargador em 2001, ocupou o cargo até aposentar-se em 2016.
Com um senso de justiça inerente, exerceu a magistratura com muito zelo, respeito e seriedade. Seu nome é referência em celeridade processual e imparcialidade nas decisões. O cuidado, a dedicação e a honesta preocupação com cada caso são algumas das distinções que levam seu trabalho à impecabilidade.

Vasconcellos e Munhoz

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