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Marcos Bedendo

Domenico De Masi: O Brasil e o consumo na era Pós-Industrial

Chegamos ao terceiro e último texto da entrevista com Domenico de Masi que tive o prazer de conduzir no dia 18 de Agosto. Domenico ficou conhecido no Brasil especialmente pelo seu livro “O Ócio Criativo”, no qual ele aborda as relações de trabalho no que ele chama de “sociedade pós-industrial”, entre outros, como “O Futuro Chegou” e “O Futuro do Trabalho”.

Nos primeiros dois posts sobre esta entrevista discutimos a ótica de De Masi sobre o trabalho no século XXI (acesse aqui), e o “gap cultural” que sofremos por estarmos vivendo numa transição entre a sociedade industrial e pós-industrial (veja aqui). Neste último texto focaremos especialmente em como o Brasil está preparado para essa nova fase econômica, e também teremos uma breve discussão sobre o consumo na “era pós-industrial”.

Presença constante no Brasil, país que gosta e admira, Domenico frequentemente participa de encontros, palestras e discussões onde é questionado sobre suas opiniões sobre nossa sociedade, economia e panorama de trabalho. Ele costuma ter uma visão mais positiva sobre o Brasil do que grande parte dos brasileiros, que fica clara em parte de suas respostas neste último post que encerra a série.

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Domenico De Masi em foto de João Lino da Silva

O Brasil Pós-industrial

O Pós-industrialismo é a visão de futuro do capitalismo para De Masi. Ele entende que o pós industrialismo se dará com a redução do peso da indústria na economia mundial, e com a substituição desta por atividades mais voltadas para os serviços, o que de fato já é observado em grande parte dos países do mundo.

Para De Masi, o Brasil pode ser considerado um país mais pronto do que a média para a era pós-industrial, já que possui algumas características importantes para esta transição do ponto de vista econômico, do acesso a informação, e dos aspectos culturais e comportamentais de sua população.

A economia brasileira é bastante concentrada no setor de serviços, e é responsável pela alocação da maior parte da força de trabalho brasileira. Portanto, para Domenico, “do ponto de vista de mercado de trabalho, (o Brasil) é pós-industrial”.

O segundo ponto é o acesso à informação, que é um dos fatores que para Domenico leva ao aumento da produção cultural. Em suas palavras: “Na produção de informação, a mídia, a televisão, a internet, (o Brasil) é muito forte… o Brasil é o grande produtor estético da América Latina. O Design é muito importante, a arquitetura é importantíssima. A arquitetura brasileira é muito forte”. Ele ressalta também que exportamos muitos artigos culturais, como música, novelas e literaturas, que são produtos pós-industriais que poucos países de fato produzem.

Como terceiro ponto, a parte comportamental, Domenico entende que existem regiões brasileiras mais e menos preparadas. Para ele “No Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca é muito industrial. Copacabana é pós-industrial. O Rio de Janeiro é mais pós-industrial do que São Paulo”. Essa afirmação de Domenico leva em conta o papel que o trabalho ocupa na sociedade, e como a população percebe e utiliza o tempo livre.

A relação comportamental que Domenico traça tem pouco a ver com o índice de qualidade de vida nessas regiões. Na perspectiva de De Masi, Copacabana é aquela dos artistas, dos músicos, da vida mais tranquila e do desfrute do ócio. Já São Paulo é percebida por ele como a Av. Paulista, com a sua correria, o caos do transito, a pressão do trabalho e a rejeição ao ócio. Por este motivo, ele entende que Copacabana é mais “pós-industrial” e a Av. Paulista é mais “industrial”.

Como o Brasil deve se preparar para o pós-industrialismo?

Domenico tem como uma forte crença que o tempo de trabalho irá diminuir em todo o mundo e, por consequência, o tempo de ócio irá aumentar. A palavra “ócio” tende a ser comumente mal interpretada como o simples “não fazer nada”, mas a perspectiva de Domenico é um pouco diferente. Para ele, o ócio significa se dar tempo para viver aspectos culturais, relacionais e de entretenimento, seja consumindo ou produzindo conteúdo.

Portanto, para De Masi, por suas características comportamentais e culturais, o Brasil, assim como os países mediterrâneos, como a Itália e a Espanha, está mais preparado para este “aprendizado” de se viver com mais tempo livre, com mais ócio.

Países protestantes, como o Reino Unido, os EUA e a Alemanha, terão mais dificuldade em se adaptar ao crescente tempo livre. Outros países que viveram intensamente a industrialização, como o Japão, também serão mais afetados pelo final desta era, e potencialmente terão maiores dificuldades em alterar os aspectos culturais de sua população.

Mas isso não significa que estaremos na frente destes países. Pergunto ao Domenico se ele acha que o Brasil está mais bem preparado para o pós-industrialismo do que os EUA. Ele diz que não: “Não, não mais (bem preparado) do que os EUA, não. Mas é bem preparado. Seguramente é bem preparado. Se formos comparar, algumas partes dos EUA, da Alemanha, algumas partes da China, a Itália, já são mais pós-industriais. Mas o Brasil é uma das grandes potências pós-industriais”.

Fazendo o paralelo ao que o Domenico diz sobre as regiões brasileiras, há “ilhas” de pós-industrialismo muito bem determinadas em países como os EUA ou a Alemanha. Se pensarmos no estado norte-americano da Califórnia como um exemplo, ele é absolutamente pós-industrial, com seus centros de estudos, de desenvolvimento de tecnologia, e concentrando grande parte da indústria de cinema dos EUA. Esta é uma visão pós-industrial que não se tem em Detroit, por exemplo, uma cidade tipicamente sustentada pela indústria.

Portanto, refletindo sobre as opiniões de Domenico em relação as características pós-indústriais, podemos imaginar que o Brasil possui uma população que culturalmente pode se adaptar mais facilmente às características do pós-industrialismo, como a economia criativa, o entretenimento, a cultura, o turismo. Mas é preciso transformar isso numa atividade produtiva capaz de substituir a indústria do ponto de vista econômico e de postos de trabalho.

O consumo na era pós-industrial

Mas além da visão do trabalho, a era pós-industrial também tende a mudar outro elemento intrínseco de nossas vidas: o consumo. O consumo hoje é um elemento presente em qualquer faceta da vida e que deve impactar e ser impactado pelas mudanças da pós-industrialização.

Domenico entende que o consumo deve diminuir, mas não apenas em função da perspectiva da pós-industrialiação. Existe também a questão da sustentabilidade: “Nós vamos ter que reduzir o consumo, porque o que o planeta nos oferece é finito. Nos anos 1800 pensávamos que o petróleo era infinito, que a terra era infinita, etc. Hoje temos a consciência que não é infinito”.

No entanto, deve-se ponderar qual consumo é necessário e qual consumo é supérfluo. “Em alguns lugares da Europa, parece que se reduz o consumo necessário, o consumo com a medicina…”. E no Brasil? “No Brasil, eu entendo que há uma relação perigosa com o consumo. Por exemplo, vamos aqui em hipermercados e temos os hipermercados mais luxuosos do mundo. Com isso se cria um círculo vicioso. A publicidade passa a influenciar essas necessidades. Os bancos financiam o consumo. E começamos a fazer consumos desnecessários.”

Claro que isso não é exclusivo do Brasil. Ele mesmo cita o seu exemplo com os smartphones, que segundo ele, são alterados com muita frequência, e mesmo tendo pouca diferença entre eles, nos sentimos impelidos a continuar trocando de aparelhos em função das pressões sociais e da publicidade.

No entanto, como se comportará o consumo na era pós-industrial? Para Domenico, iremos diminuir o consumo de produtos, e consumir mais serviços e outros tipos de consumos ligados à cultura e ao entretenimento: “Eu acho que irá reduzir o interesse pelo consumo material, e aumentar o interesse pelo consumo imaterial. Por exemplo, com a crise na Itália temos uma redução de todos os consumos, exceto pelo consumo cultural. Aumentam as idas ao cinema, este tipo de consumo cultural.”

O novo consumo cultural e a perspectiva brasileira

De Masi tem uma visão positiva do Brasil e entende que nós deveríamos ter mais orgulho dos produtos que exportamos para o mundo, especialmente dos produtos culturais. Nas palavras de De Masi: “Vocês produzem coisas de valor cultural também. Vocês exportam bastante novelas. Só ficam atrás dos EUA. Existem também muitos romances brasileiros. Mas a verdade é que em todo o mundo, essa indústria é muito fortemente americana, na China, na Itália. Mas na telenovela, não! Vocês tem grande participação.”

Para Domenico, mesmo nas lutas que ainda estamos travando, ele vê um lado positivo: “Eu acho que hoje é difícil ter um país no mundo com tantos líderes, tantas pessoas ricas, presas. Não só as que que estão presas, mas até quem (ainda) pode ir para a cadeia. Isso significa que os juízes aqui não são corruptos. Ou não são todos corruptos”. Esse contraponto é importante para quem passou pela fase da “operação mãos limpas” na Itália, onde o próprio judiciário teve de ser reformado para que se pudesse colocar os poderosos na cadeia. No final das contas, Domenico entende que se as coisas não estão boas, parecem estar evoluindo.

Ele critica a visão de “vira latas”, com a qual muitas vezes nos enxergamos. Em suas palavras “…porque nos anos 50, nos anos 60, vocês não tinha o complexo de vira lata. Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Hollanda, Darcy Ribeiro, até Fernando Henrique Cardoso, vocês não tinham complexo de vira lata. O Lula não tem complexo de vira lata. O povo tem. Só pensa no pior”.

Ele entende que o país tem muito o que lutar para melhorar em diversos aspectos, mas faz o contraponto sobre o quanto de positivo também se tem por aqui – o que deve ser levado em conta quando se faz uma análise do que de fato é o Brasil. Para Domenico “Vocês tem uma parte cultural muito bonita, um país muito belo.”

Assim finalizamos o terceiro post sobre a entrevista com Domenico De Masi. Pudemos debater um pouco o pensamento deste sociólogo italiano e, concordando ou discordando de seu ponto de vista sobre o futuro, o trabalho, o consumo e o Brasil, ele nos faz refletir sobre a nossa própria relação com esses temas, o que afinal é o grande objetivo de suas teorias, e também desta sequência de textos.

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    Marcos Bedendo

    Marcos Bedendo possui mais de 15 anos de experiência atuando na área de marketing. Gerenciou produto e marcas em empresas como Bauducco, Unilever, Whirlpool e Parmalat, tendo lançado cerca de uma centena de produtos, e conduzido campanhas nacionais e globais de comunicação. Atualmente é Professor de marketing de instituições como ESPM-SP, FIA-PROVAR e FAAP, e oferece cursos de extensão na Casa do Saber e Escola São Paulo. É graduação em comunicação social pela ESPM-SP e possui mestrado em Estratégias de Marketing pela EAESP-FGV. É porta-voz da ESPM-SP para assuntos relacionados a marketing e branding, colaborando com entrevistas e artigos para veículos como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Exame, Meio & Mensagem, Propmark e Brasil Econômico, entre outros veículos gerais e específicos da área. Possui um blog no site da Exame.com, com o nome “Branding, Consumo e Negócios”, onde aborda semanalmente assuntos pertinentes à gestão de marcas e marketing. É professor e colunista do projeto de educação empreendedora meunegócio.com. É autor do livro “Branding para Empreendedores”, onde detalha o processo de criação e gestão de marcas para empresas de pequeno e médio porte. Atualmente é sócio- consultor da Brandwagon, consultoria especialista em criação, planejamento e gestão de marcas, fazendo projetos para empresas dos mais diversos segmentos, se diferenciando em especial por trabalhar não só na estratégia da marca, mas também nas definições dos seus pontos de contato, como os processos de inovação de produtos, imagens gráficas e comunicação.

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