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Marcos Bedendo

Domenico De Masi: Vivemos num manicômio, onde o homem tem que ir até a informação

Este é o segundo texto sobre a entrevista que fiz no dia 18 de Agosto com Domenico de Masi, o sociólogo italiano que discute as mudanças nas relações sociais no que ele chama de “pós industrialismo”. Essa discussão está presente numa série se livros que De Masi lançou e que estão disponíveis no Brasil, como o “Desenvolvimento Sem Trabalho”, “O Futuro do Trabalho” e “O Futuro Chegou”.

Dando sequência ao relato de nossa conversa, neste texto discutirei especialmente as opiniões de Domenico sobre o declínio da perspectiva industrial na nossa economia e sociedade, e de como nós parecemos estar vivendo num “gap cultural”, uma vez que estamos numa nova era, a era pós-industrial da economia criativa, mas continuamos subjugados aos costumes e às relações da era anterior, a era industrial.

Teremos ainda um terceiro texto a respeito desta proveitosa entrevista, no qual será discutido as perspectivas de De Masi sobre o consumo na era pós-industrial, e como ele enxerga a participação do Brasil nessa nova etapa.

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Empresas e o trabalho na era pós-industrial

Domenico acredita que as grandes empresas devem ter cada vez mais dificuldade de recrutar os melhores jovens para trabalhar em seus quadros de funcionários. Isso se dá especialmente porque as empresas, mesmo as mais modernas, ainda se organizam como na época industrial, de maneira hierarquizada, divididas em departamentos, e especialmente voltadas para os aspetos competitivos entre seus colaboradores.

Segundo ele, as grandes empresas não são “realizativas”, elas são competitivas. Em suas palavras, “quando os jovens pensam em trabalhar, eles pensam em trabalhar com teatro, pensam trabalhar com dança, pensam trabalhar com empresas pequenininhas. Eu acho que eles acham estupido ir trabalhar em uma grande empresa”, afirma.  Para De Masi, o trabalho criativo ou o trabalho em que você tem liberdade, mesmo que seja uma atividade não artística, como o jornalismo, traz mais realização para este jovem pós-industrial e, portanto, deve “recrutar” os melhores e mais inteligentes dessa nova geração. Porque afinal, eles querem trabalhar com liberdade, sem ter que estar presente num escritório fechado por grande parte do dia.

Essa liberdade é a fonte das grandes ideias, que De Masi entende não serem produzidas nas grandes empresas, mas especialmente fora delas, e cita o Facebook como exemplo, que surge dentro da Universidade, e não dentro de uma empresa.

Mas por que, então, ainda grande parte dos jovens são recrutados por essas empresas? Por que algumas delas ainda estão no topo dos rankings de onde os jovens querem trabalhar após se formarem? Ao mesmo tempo que De Masi critica esse comportamento, ele também dá a razão de suas influências: “(eles procuram essas empresas porque) a alienação e os cretinos são muitos no mundo.  Mas não são cretinos por natureza, são cretinos pela educação. Eles são educados para a imbecilidade, para o infantilismo. E são pessoas infantis, saem infantis das escolas de negócios”, criticando mais uma educação que ele julga ultrapassada do que as escolhas dos jovens propriamente dita.

A crítica para as escolas se dá em função de ainda propagarem os mesmos livros escritos com o pensamento dos gestores americanos, e trabalharem com casos e problemas das empresas industriais americanas. Ainda que uma pequena parcela delas abra espaço para os outros tipos de negócios possíveis na economia atual, a grande maioria dos estímulos, casos e modelos são voltados para as empresas industriais.

De certa maneira, elas acabam reduzindo a liberdade e o potencial do jovem profissional para a criatividade. A grande empresa, sob a promessa de segurança e estabilidade, tolhe a liberdade criativa. Segundo De Mais: “As escolas de negócios são as últimas fábricas de imaturos. A criatividade te dá liberdade. Te dá autonomia. As empresas trabalham com subordinação, com competitividade. A criatividade, dizia Le Corbusier, nasce num ambiente sereno. Se você estiver numa relação competitiva, não há criatividade.”

 

O futuro da Industria e do emprego industrial

A lógica da indústria deve, com o tempo, reduzir o seu impacto já que a própria indústria terá um impacto menor na sociedade e na economia futuramente. De acordo com Domenico, a indústria, enquanto participação na economia, caí em todo o mundo. Ele compara a atual fase da indústria ao que foi a questão agrícola no passado, que representava praticamente toda a atividade produtiva e hoje tem uma participação relativa muito menor. De Masi entende que a indústria já teve o seu apogeu, e partir de agora deve declinar e dar lugar aos serviços e à economia criativa.

Mas isso não significa que a produção da indústria irá cair. “A indústria tem um mundo finito. Não iremos diminuir a produção, mas iremos diminuir os operários. Em 2030 teremos 60% a menos de pessoas empregadas. 60% menos postos de trabalho (na indústria).”, afirma De Masi. Essas pessoas deverão ser absorvidas no segmento de serviços, na nova economia.

Sem esta solução, não há outra perspectiva a não ser o aumento do desemprego ou a redução da jornada de trabalho. Num exemplo dado por ele: “Quando se coloca um robô, ou um computador que faz 15% do trabalho, deveríamos reduzir em 15% o tempo da jornada de trabalho. Ou então teremos os pais completamente ocupados, e os filhos completamente desocupados. São esses dois modos”. Portanto, do ponto de vista puramente industrial, existe uma equação que só fecha com a drástica redução da jornada de trabalho.

“Se o aumento da produtividade faz com que precisemos de 10% a menos de mão de obra, que diminuamos em 10% da carga de trabalho. Ou então, o que acontecerá é que teremos 90% das pessoas completamente ocupadas, e 10% das pessoas completamente desocupadas. São esses os dois únicos modos. E esse é o grande medo que se tem hoje”, reforça De Masi. Vale ressaltar que Domenico aqui aborda que a absorção da mão de obra se daria somente na indústria. Se novas ocupações forem criadas, essa equação acharia novas variáveis para se balancear.

 

Um futuro sombrio ou um futuro brilhante?

É interessante a percepção que um mundo com menos trabalho possa causar tanta apreensão para as pessoas, mas é isso que de fato acontece. Para o nosso pensamento “industrial”, a falta da necessidade de mão de obra na indústria é a mãe de todas as crises. E de fato era. Mas essa época ficou para trás. Parece que, ao atender as preces de todos por menos trabalho, a nova configuração do trabalho na sociedade ao invés de causar felicidade, causou apreensão.

Domenico pensa um pouco diferente: “Mas isso é uma maravilha, que possamos produzir tanto, e tão bem, com um mínimo de trabalho. E podemos dedicar o resto do tempo à cultura, ao tempo livre. Ao amor. A ficar junto com outras pessoas que amamos”. Essa dependência do trabalho ainda é uma das características da sociedade industrial que causa enorme ansiedade e que potencialmente será algo difícil de ser alterado. Não se está tratando o trabalho como algo negativo, mas simplesmente tirando dele o lugar de destaque que ele ocupa tão fortemente em nossa sociedade.

Domenico discute a relação entre o trabalho e a dignidade, tão arraigado no pensamento industrial. Para quem vive no pensamento industrial, não há como se ter dignidade sem se ter trabalho, e isso causa revolta.

Lembramos de um momento durante a crise de 2008 e 2009 que a França sofria com o desemprego. Nos arredores de Paris, onde ele era mais frequente, houve uma revolta daqueles que lá moravam. Mas não era uma revolta por falta de moradia, ou comida, ou roupas. Tudo isso era provido pelo estado francês. Era uma revolta pela falta de dignidade. Sobre isso, Domenico afirma “na sociedade industrial, a dignidade vem exclusivamente do trabalho. Na sociedade pós industrial, a dignidade vem da cultura”.

Ele continua: “Kaynes dizia em 1930, que o problema do tempo livre é o problema da falta de cultura. Porque se há cultura, vão escrever, vão ler, vão visitar os amigos. Vão fazer uma viagem. O problema da sociedade pós-industrial é o problema da cultura”. Nós ainda não aprendemos a ter, e a valorizar a cultura como uma atividade tão digna quanto o trabalho. Ainda se trata a cultura como apenas diversão, e quem vive somente dela, como pessoas de menor valor do que aqueles que vivem da indústria. Quando aprendermos a valorizar a cultura como um produtor de riqueza tão grande quanto a indústria, teremos dado um passo em direção ao pós-industrialismo.

 

O “gap cultural” e as adaptações até o ajuste pós-industrial

 De acordo com Domenico, estamos hoje num “gap cultural”. O gap cultural é o nome que os antropólogos dão quando estamos vivendo em uma época com as regras culturais das épocas precedentes. Isso acontece sempre que há uma alteração socioeconômica profunda, quando como mudamos da economia agrícola para a economia industrial, no século XIX. Hoje estamos vivendo na época pós-industrial, mas ainda pensamos e nos comportamos como se estivéssemos na era industrial.

Algumas alterações são significativas, mas menos observáveis no cotidiano. Uma delas é a relação com as escolas de negócios, tão criticadas por De Masi. Segundo ele: “A sociedade pós-industrial tem uma forte inclinação ao tempo livre. A sociedade industrial tem uma forte inclinação ao trabalho. Agora, como vamos educar para o tempo livre se as universidades educam para o trabalho? Esse é o cultural gap.”, exemplifica.

Já outras são absolutamente observáveis e, por isso, causam grande indignação se analisarmos de maneira mais profunda. Domenico se revolta: “Olhe lá fora (aponta para a rua de SP) isso é um manicômio. Isso é um manicômio! Tudo o que se vê são carros, estão todo indo para o trabalho, sendo que todos eles poderiam trabalhar em casa, ou podem trabalhar juntos em algum outro local, como nós estamos fazendo (estamos conversando no hotel em que Domenico está hospedado). E não é a informação que vai até o homem. É o homem que tem que ir até a informação. E isso é uma loucura, porque as informações são transportadas num ‘bit’, e os automóveis são mais difíceis de serem transportados por aí.”

A revolta quase cômica de Domenico é justificada. Lutamos para termos tecnologia que nos permite ter acesso às pessoas, suas vozes, suas imagens, seus textos e opiniões em qualquer lugar do planeta. Mas ainda nos obrigamos a, como diz Domenico, “irmos até os bits”. Os congestionamentos poderiam ser facilmente evitados se ficássemos no “home office”, ou no “teletrabalho”, como prefere Domenico. Mas numa cidade caótica como São Paulo, preferimos ir até o trabalho, e ainda nos concentrar em regiões como a da Av. Berrini, Av. Faria Lima, ou na Av. Paulista, aumentando ainda mais o problema do transito e do tempo perdido.

Entretanto para Domenico, o Brasil tem suas diferenças regionais: “O Rio de Janeiro é mais pós-industrial que a São Paulo. São Paulo é muito industrial. Copacabana é pós industrial”, – e essa discussão sobre o Brasil pós-industrial será a que encerrará esta série de posts sobre nossa entrevista, na próxima semana.

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    Marcos Bedendo

    Marcos Bedendo possui mais de 15 anos de experiência atuando na área de marketing. Gerenciou produto e marcas em empresas como Bauducco, Unilever, Whirlpool e Parmalat, tendo lançado cerca de uma centena de produtos, e conduzido campanhas nacionais e globais de comunicação. Atualmente é Professor de marketing de instituições como ESPM-SP, FIA-PROVAR e FAAP, e oferece cursos de extensão na Casa do Saber e Escola São Paulo. É graduação em comunicação social pela ESPM-SP e possui mestrado em Estratégias de Marketing pela EAESP-FGV. É porta-voz da ESPM-SP para assuntos relacionados a marketing e branding, colaborando com entrevistas e artigos para veículos como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Exame, Meio & Mensagem, Propmark e Brasil Econômico, entre outros veículos gerais e específicos da área. Possui um blog no site da Exame.com, com o nome “Branding, Consumo e Negócios”, onde aborda semanalmente assuntos pertinentes à gestão de marcas e marketing. É professor e colunista do projeto de educação empreendedora meunegócio.com. É autor do livro “Branding para Empreendedores”, onde detalha o processo de criação e gestão de marcas para empresas de pequeno e médio porte. Atualmente é sócio- consultor da Brandwagon, consultoria especialista em criação, planejamento e gestão de marcas, fazendo projetos para empresas dos mais diversos segmentos, se diferenciando em especial por trabalhar não só na estratégia da marca, mas também nas definições dos seus pontos de contato, como os processos de inovação de produtos, imagens gráficas e comunicação.

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