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Felipe Fogolari

A Gênese do Gaúcho

A origem do gaúcho remonta à dispersão das Missões e do estupro das índias pelos bandeirantes e soldados. A etimologia da palavra “gaúcho” aponta para uma série de possibilidades:

Se tomamos a importância da influência árabe, devemos lembrar o termo chauch, referente a ‘tropeiro’; do espanhol chaucho, com o mesmo sentido e evidentemente oriundo do primeiro; a língua incaica, porém possui um termo semelhante, chacho, significando ‘órfão’, pessoa abandonada, errante, sozinha, solitária; do latim, viria o termo gaudeo, que significa ter prazer, gozar, e daí adviria o termo ‘gaudério’, que indica o errante, e uma série de variantes como ‘garrucho’, ‘garucho’, referem-se a ‘homens mestiços, sem religião e sem moral’, na explicação de Luiz Marobim. O estudioso acrescenta ainda outras possibilidades como influência do termo cachu, significando esperto, astucioso, o mesmo termo traduzido também como ‘camarada, companheiro’; ou ainda do termo ganado, espanhol (gado), evoluindo para ‘ganau’ e ‘ganaucho’, com o sentido de ‘recruta’, e assim por diante (HOHLFELDT, Antônio. O gaúcho: ficção e realidade. Rio de Janeiro: Antares Universitária, 1982, p. 93).

Conforme se percebe, no início (século XVIII) as expressões “gaúcho” e “gaudério” tinham conotação depreciativa, associadas a seres bárbaros, bandoleiros, malfeitores e marginais da pior espécie (GIOLO, Jaime. Lança & Grafite). Nesse sentido, Nicolau Dreys registra que “sem chefes, sem leis, sem polícia, os gaúchos não têm da moral senão idéias vulgares e, sobretudo, um sorte de probidade condicional que os leva a respeitar a propriedade de quem lhes faz benefícios ou de quem os emprega ou neles deposita confiança” (apud GONZAGA, Sergius. As mentiras sobre o gaúcho: primeiras contribuições da literatura. In: DACANAL, José Hildebrando (org.). RS: Cultura & Ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p.114).

Posteriormente, na segunda metade do século XIX, por ocasião da formação das nacionalidades e das identidades regionais tendentes à afirmação do Brasil como Nação, foi necessária a criação do mito do gaúcho heroico, que veste trajes imponentes e possui um espírito desbravador e indomável, reconhecido como o “centauro dos pampas” e “soberano das coxilhas”, recurso teórico utilizado com êxito para encobrir a sua dominação social e a exploração de seu trabalho, considerando a necessidade de sua inclusão no modelo social então vigente na região.

Todavia, a verdadeira situação do gaúcho desmentia a visão fantasiosa em torno da vida de bravura do peão de estância:

Pretende-se que o espírito de independência e liberdade o tornava infenso à família, quando na verdade é que não podia sustentar uma família; os estancieiros não queriam saber de peão com mulher e filhos, pois estes, no mínimo, comiam, o que impunha uma maior salário. Sendo antes um solitário, não tinha o que fazer nas horas vagas; suas únicas distrações eram o jogo, a cordeona e o álcool. Para suas necessidades sexuais, recorria à china – prostituta da campanha – forjando-se, a partir daí, a lenda de seu donjuanismo. O gaúcho não era um folgazão como se apregoa – era um desgraçado, um pobre diabo sem eira nem beira (FREITAS, Décio. O mito da ‘produção sem trabalho’. In: DACANAL, José Hildebrando (org.). RS: Cultura & Ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p. 9).

Posteriormente, ante a emergência de novos grupos sociais não identificados com a pecuária tradicional e a ascensão do governo positivista, o senso comum ao redor do gaúcho foi reinventando. O governo republicado precisava encontrar um tipo ideal, no qual pudesse enquadrar todos os habitantes do Estado, o que fez através da recriação da história do gaúcho, atribuindo-lhe as melhores virtudes, para estabelecer uma característica de toda a população do Estado. Gaúcho, a partir de então, passa a ser considerado o habitante do Rio Grande do Sul (GIOLO, idem).

Por fim, a literatura acaba por consagrar a auréola romântica de elogios desmedidos através das obras de José de Alencar (O Gaúcho, 1870), de Apolinário Porto-Alegre (O vaqueano, 1872), de Oliveira Belo (Os Farrapos, 1877), de Simões Lopes Neto (Contos gauchescos, 1912), de Érico Veríssimo (O tempo e o vento, 1949), etc. Dessa forma, restou construído o mito do gaúcho, com a projeção de sua epopeia ao território do heroísmo.

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