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Felipe Fogolari

O ABOLICIONISTA LUÍS GAMA

No ano de 2015 a Ordem dos Advogados do Brasil, em justa homenagem prestada a Luís Gonzaga Pinto da Gama, acabou por inscrevê-lo postumamente em seus quadros, reconhecendo o seu papel de destaque na defesa dos negros, pois foi uma das grandes figuras precursoras do abolicionismo, embora tenha morrido antes de ver o fim da escravidão no Brasil.

Luís Gama nasceu em 1830, na Bahia, e morreu em 1882, em São Paulo. A sua mãe chamava-se Luísa Mahin, uma africana livre da nação nagô, e seu pai era de uma família ilustre da Bahia. Após perder a fortuna em jogos, o pai de Gama vendeu o garoto como escravo; o menino tinha apenas 10 anos de idade e foi trazido para São Paulo.

Ele foi alfabetizado aos 17 anos por um amigo. Quando tinha 18 anos de idade fugiu para ingressar na Marinha de Guerra, da qual foi expulso depois de seis anos, por desentendimento com um oficial que o havia ofendido. Voltou a São Paulo, e conseguiu trabalho no escritório de um escrivão e, depois, na Secretaria de Governo da província, o que o fez decidir por estudar Direito e defender em juízo a liberdade dos escravos.

Tentou matricular-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas apesar de formalmente livre, sofreu com o racismo institucional e apenas conseguiu frequentar algumas aulas como ouvinte. Apesar disso, Luiz Gama tornou-se advogado provisionado – rábula – com autorização para atuar nos tribunais em defesa de escravos que lutavam por liberdade.

Em uma carta autobiográfica endereçada a Lúcio de Mendonça, Gama estima que já havia libertado do cativeiro mais de 500 escravos. A atuação destacada na defesa de escravos lhe rendeu o apelido de “Apóstolo Negro da Abolição”. Em um júri, chegou a chocar os presentes quando afirmou que “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Também atuou como importante jornalista, poeta e militante político de posições republicanas e abolicionistas. Assim expressou sua inconformidade, num de seus últimos artigos:

“Sim! Milhões de homens livres, nascidos como feras ou como anjos, nas fúlgidas areias da África, roubados, escravizados, [açoitados], mutilados, arrastados neste país clássico da sagrada liberdade, assassinados impunemente, sem direitos, sem família, sem pátria, sem religião, vendidos como bestas, espoliados em seu trabalho, transformados em máquinas, condenados à luta de todas as horas e de todos os dias, de todos os momentos, em proveito de especuladores cínicos, de ladrões impudicos, de salteadores sem nome; que tudo isso sofreram e sofrem, em face de uma sociedade opulenta, do mais sábio dos monarcas, à luz divina da santa religião católica, apostólica, romana, diante do mais generoso e mais interessado dos povos; que recebiam uma carabina envolvida em uma carta de alforria, com a obrigação de se fazerem matar à fome, à sede e à bala nos esteiros paraguaios e que nos leitos dos hospitais morriam, volvendo os olhos ao território brasileiro, os que, nos campos de batalha, caíam, saudando risonhos o glorioso pavilhão da terra de seus filhos; estas vítimas que, com seu sangue, com seu trabalho, com sua jactura, com sua própria miséria constituíram a grandeza desta nação, jamais encontraram quem, dirigindo um movimento espontâneo, desinteressado, supremo, lhes quebrasse os grilhões do cativeiro!… (apud FERREIRA, Lígia Fonseca. Luiz Gama: um abolicionista leitor de Renan. In: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142007000200021&script=sci_arttext&tlng=es#nt02).

Em 2017, 135 anos após sua morte, vale lembrar o legado de Luiz Gama inclusive através da pena de um autor clássico da literatura brasileira:

” (…) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros… inúmeros. E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mas angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias de velho sargento. Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro…E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom…Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado” (Raul Pompeia).

Como conviver de forma tolerante, respeitosa e solidária? Eis aí o maior desafio atualmente, razão pela qual o preconceito, o racismo, a discriminação e a exclusão merecem ser combatidos implacavelmente. E o Dia da Consciência Negra é um momento especial não apenas para reverenciar Luís Gama, mas também para analisar a situação dos negros no Brasil, didaticamente representada nesse breve vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ufbZkexu7E0&feature=youtu.be.

[i] Dados biográficos extraídos das páginas eletrônicas da Carta Capital e da OAB-SP: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/10/29/luiz-gama-historico-jurista-negro-e-abolicionista-sera-inscrito-na-oab-em-cerimonia-de-homenagem/ e http://www.oabsp.org.br/noticias/2007/11/27/4545, respectivamente.

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